A Comissão Especial de Inquérito (CEI) que apura possíveis irregularidades na execução do contrato assinado entre a Prefeitura de Goiânia e o Consórcio a Limpa Gyn seguiu, na tarde desta terça-feira (18), com as oitivas de servidores e ex-servidores envolvidos no processo de terceirização dos serviços de coleta e limpeza urbana da capital – atualmente prestados pelo consórcio. A depoente da vez foi a engenheira civil Aline Cantuária Gomes, ex-superintendente de Obras da Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seinfra), então responsável pelo Estudo Técnico Preliminar (ETP) e pelo projeto básico da licitação que originou a concorrência 002/2023.
O presidente da CEI, vereador Welton Lemos (Solidariedade), abriu a reunião questionando o quantitativo de lixo projetado no contrato. Aline – que é servidora efetiva do Município, tendo ocupado, também na Seinfra, o cargo de diretora de Serviços de Infraestrutura Urbana – afirmou que os volumes utilizados no contrato da Limpa Gyn foram baseados em números anteriores, a partir dos mesmos serviços, executados pela Comurg. Ao ser indagada se a medição da coleta era feita por pesagem real, em toneladas, ou por ‘cubicagem’, a servidora disse não se lembrar e declarou desconhecer que a Prefeitura tivesse responsabilidade pelas balanças de pesagem junto às cooperativas de reciclagem — um item previsto no próprio contrato.
Vice-presidente da CEI, a vereadora Aava Santiago (PSDB), confrontou a depoente sobre o conhecimento que ela detinha a respeito do documento que assinou, em duas ocasiões. Aline Cantuária Gomes argumentou, então, que o projeto básico foi elaborado por técnicos e que sua familiaridade com o conteúdo era “apenas superficial”.
Outros parlamentares também pressionaram a ex-servidora da Seinfra. Ao vereador Fabrício Rosa (PT), Aline relatou ter visitado a sede da Limpa Gyn apenas uma vez, após a assinatura do contrato, durante a inauguração das varredeiras mecanizadas. Ao vereador Cabo Senna (PRD), sustentou ter visitado somente uma cooperativa de reciclagem e reconheceu nunca ter recebido os relatórios destas empresas, que fazem a triagem dos resíduos recicláveis.
Falta de fiscalização se confirma como ponto central da investigação
A ausência de fiscalização por parte da Prefeitura de Goiânia foi apontada repetidamente pelos vereadores membros da CEI. “Trata-se de um dos pontos mais graves até agora”, ressaltou Welton Lemos. Na avaliação dele, a equipe destinada ao acompanhamento do contrato com a Limpa Gyn é “totalmente inadequada” e a situação deverá constar no relatório final da comissão.
“Observamos indícios muito sérios de desleixo com o dinheiro público”, considerou, por sua vez, a vereadora Aava Santiago, ao comparar os depoimento de Aline Cantuária Gomes e de Flávia Ribeiro Dias, ex-superintendente que, à época, acompanhava a execução do contrato. “Somando os depoimentos, chegamos à conclusão de que as peças-chave que assinaram todo o processo não conheciam o conteúdo dos documentos”, ressaltou.
Aava ampliou as críticas à gestão municipal. Ela lembrou que a Prefeitura não instalou as balanças obrigatórias, não fez tomada de contas e não apresentou comparativos de execução. “O Executivo está pagando por um contrato que não consegue fiscalizar. Prometeram ajustes, mas a mesma estrutura continua preservada”, apontou.
Questionamentos técnicos e possíveis responsabilidades
Durante a oitiva desta terça-feira, a vice-presidente da CEI aprofundou os questionamentos técnicos sobre a elaboração do projeto básico do contrato com a Limpa Gyn. Aava pediu detalhes sobre a equipe envolvida, sobre análises formais que embasaram escolhas e sobre o motivo de manter a modalidade técnica e preço, mesmo após recomendação do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) para revisão.
A parlamentar também cobrou comprovação de estudos que justificassem referências presentes no projeto — como clima, queimadas, enchentes, crescimento urbano e aglomerados subnormais — e questionou a decisão de reunir, em um único lote, serviços distintos como coleta domiciliar, seletiva, varrição e remoção de entulhos. “Se esses elementos foram usados sem estudo, isso precisa ser registrado”, defendeu.
Outro ponto sensível, na opinião de Aava Santiago, é o papel do então secretário de Infraestrutura, Denes Pereira, responsável por assinar documentos essenciais da preparação do edital que precedeu a contratação do Consórcio Limpa Gyn. Apesar das considerações da colega, o presidente da CEI afirma não ver necessidade de convocá-lo neste momento.
“A CEI não investiga a confecção do contrato, e sim a execução dele; a má prestação do serviço”, ponderou Welton Lemos. “Não há motivo para ouvir o ex-secretário Denes. Se houvesse necessidade de convocação, seria do atual secretário (Francisco Elísio Lacerda)”, acrescentou, lembrando que, embora o colegiado esteja ouvindo diferentes partes importantes em todo o processo, novas convocações não estão descartadas. De acordo com o presidente da CEI, os próximos passos da investigação deverão envolver a questão da pesagem dos caminhões de lixo no aterro sanitário.
Sobre a CEI da Limpa Gyn
A Comissão Especial de Inquérito da Limpa Gyn foi criada em agosto passado para investigar a execução do contrato firmado pela Prefeitura de Goiânia com o consórcio responsável pelos serviços de limpeza urbana, estimado em cerca de R$ 480 milhões.
Entre os principais pontos analisados estão:
• a regularidade da prestação dos serviços;
• a adequação do projeto básico e do estudo técnico preliminar;
• a capacidade de fiscalização da Prefeitura;
• a transparência na definição de quantitativos e critérios de medição;
• possíveis prejuízos ao erário por falhas de acompanhamento.
A CEI é composta por vereadores de diferentes partidos e tem poder para convocar testemunhas, requisitar documentos e propor responsabilizações administrativas, civis ou criminais.
